Os 15 Melhores Filmes de 2020

Na lista apenas filmes lançados comercialmente no Brasil em 2020, por isso contêm alguns filmes de 2019. Então, vamos lá, começando pelos meus mais favoritos aos menos:

1.       Soul, de Peter Docter (EUA)

Um músico de jazz (Jamie Foxx) tentando escapar da morte por causa de um show de último segundo. Soul é “apenas” isso: a busca de um homem por um propósito na vida e como isso afeta uma alma não nascida (Tina Fey) que pensa que pode escapar das garras da vida para sempre. Mas “seu esconderijo não é à prova d’água o suficiente, a vida transborda de todos os lados”, diria Ingmar Bergman. A animação é pincelada com uma mistura estonteante de visões psicodélicas da vida após a morte e o cenário detalhista de Nova York, mas a essência reside na natureza profunda da jornada de seus personagens, uma busca universal em direção à autodescoberta que se transforma na perspectiva de uma segunda chance. A Pixar não acertava tanto desde Toy Story 3, em 2010. Agora, coitado dos pais, como responder para crianças questões metafísicas como “a alma nasce ou se faz?” e “se eu não superar minhas ansiedades e obsessões, minha alma vai morrer?”. Disney+.

2.       Mank, de David Fincher (EUA)

Fincher transforma o roteiro de seu falecido pai Jack em uma reflexão rica sobre a incansável carreira do roteirista de “Cidadão Kane”, Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman, um ator que nunca simpatizei, mas aqui está em seu melhor), trabalhando em torno do proverbial “maior filme de todos os tempos” para assim criar um paradigma sobre homens poderosos cuja influência se estende muito além da arena do entretenimento e muda o tecido da sociedade como um todo. Entre a corrida para governador da Califórnia de 1934 e as tentativas de Mank, acamado, de juntar as peças de sua magnum opus, o filme usa seu meticuloso preto e branco enquanto comenta como o passado reverbera até hoje. São incontáveis os filmes sobre os bastidores da Era de Ouro de Hollywood, Mank é um dos poucos que nos diz o que realmente significa. Netflix.

3.       O oficial e o espião, de Roman Polanski (França)

Elegante, calmo, inteligente e intrigante. Esses são apenas alguns dos muitos adjetivos que podem ser atribuídos a este trabalho de caráter único, que deve tocar muito pessoalmente o diretor. Polanski consegue contar uma história com a sapiência como dos velhos sábios e a administra em termos inequívocos, sem grandes sobressaltos. Jean Dujardin e Louis Garrel, especialmente esse último, estão simplesmente brilhantes.  

4.       Os miseráveis, de Ladj Li (França)

Não, não é mais uma adaptação da obra monumental de Victor Hugo (até porque não precisamos de mais nenhuma), mas também se passa no subúrbio operário de Montfermeil, onde Hugo escreveu o romance e, no século XXI, é lar de imigrantes africanos e/ou muçulmanos. Mostra o trabalho da polícia de Paris neste lugar onde os turistas nunca vêem, pouco depois da vitória da França miscigenada na Copa do Mundo de Futebol de 2018. Numa simples prisão, tudo dá tragicamente errado e desencadeia uma série de acontecimentos (tem até um filhote de leão envolvido) que te deixam tenso, na ponta da poltrona, e desenham a teia social do lugar com seus inúmeros personagens se debatendo e digladiando. Um quê de “Cidade de Deus” com “Faça a Coisa Certa”, sóbrio, revolucionário e catártico.

5.       Queen & Slim, de Melina Matsoukas (EUA)

Excelente filme de estreia da diretora, Queen & Slim é o “Bonnie & Clyde negro”. Para mim, o filme já entra para o rol de grandes road movies do cinema americano, tendo como fio condutor uma crítica social sobre a perseguição descabida de policiais contra negros. É, portanto, cinemão como os americanos sabem fazer como ninguém, mas também mostra uma face horripilante do país cuja história é a própria história da violência moderna (vejam Tiros em Columbine). Merecia ser mais conhecido, não apenas mais um cult. Telecine Play.

6.       1917, de Sam Mendes (Reino Unido)

A história, inspirada nas experiências do avô de Mendes na 1ª Guerra Mundial, não poderia ser mais simples: dois jovens soldados britânicos recebem a missão de entregar uma mensagem que impedirá um batalhão de 1600 homens – entre eles, o irmão de um dos soldados – de entrarem em uma armadilha mortal planejada pelos alemães. Segue-se, então, a fórmula clássica – e até hoje imbatível – da jornada do herói descrita por Joseph Campbell em O Herói de Mil Faces, na qual Blake (Dean Charles Chapman) e Schofield (o excelente George MacKay, de Capitão Fantástico) passarão por provações cheias de obstáculos, impasses e crises sem nunca desistir da missão hercúlea de salvar as vidas de seus pares. É o tipo de filme em que os clichês usados com sabedoria caem muito bem, ainda que aqui e ali você possa antever o que acontecerá. A montagem passa a impressão de que não há cortes. Mendes move a câmera para trás de algum objeto durante uma cena, como uma árvore ou um prédio incendiado, onde ela pode ser parada e depois reiniciada sem uma edição perceptível. Há apenas um “corte bruto” (e bem justificado) na obra. Essa decisão é crucial para engajar emocionalmente o espectador, tornando-nos parceiros de jornada daqueles dois desafortunados. Afinal, uma história não se faz apenas com aspectos técnicos de primeira linha (parêntese para celebrar o trabalho de fotografia de Roger Deakins, principalmente nas cenas noturnas), erro cometido por muitos épicos de guerra. O que o cineasta entendeu muito bem em 1917, e por isso foi tão louvado, é que a ação não é nada sem a natureza humana, sem mostrar o que toca fundo no coração.

7.       Você não estava aqui, de Ken Loach (Reino Unido)

Depois do estupendo “Eu, Danie Blake” (2016), o ativismo cinematográfico de Loach oferece outro olhar duro e comovente para um pai de família desesperado, preso pelo único sistema que permite que ele e os seus sobrevivam: os aplicativos, um novo modelo de trabalho que teoricamente deveria torná-lo independente financeiramente da garra de “patrões”, mas o marginaliza ainda mais. O desfecho é de chorar de tanta pena do proletário e tanto ódio do capitalismo. Telecine Play.

8.       Wolfwalkers, de Tomm Moore e Ross Stewart (Irlanda)

É como uma versão ocidental da Princesa Mononoke, mas rica em folclore irlandês: uma jovem e seu pai viajam para a Irlanda em meados do século 17 para ajudar a eliminar a última matilha de lobo de uma cidade camponesa. Mas tudo muda quando ela faz amizade com uma garota de uma misteriosa tribo que se transforma em lobo quando está dormindo. O filme parece um livro de histórias infantis exuberantemente colorido trazido à vida – não apenas bonito como também inteligente e empolgante. Tem a beleza dos filmes de Hayao Miyazaki e a perspicácia dos melhores da Pixar. Além de trazer a mais bem-vinda mensagem de sustentabilidade do ano: não, a natureza não é um mal a ser domado.

9.       Retrato de uma jovem em chamas, de Céline Sciamma (França)

O drama lésbico lírico de Sciamma do século 18 mostra a jovem pintora Marianne (Noémie Merlant) designada para pintar a rica herdeira Héloïse ( Adèle Haenel) durante um único verão em uma ilha remota. O cenário por si só renderia belas pinturas: paisagens rochosas e as ondas do oceano acentuando o vínculo gradual entre as duas mulheres. É um hino encantador e emocionante ao amor proibido. Telecine Play.

10.   O Que Ficou Para Trás, de Remi Weekes (Reino Unido)

O melhor filme terror do ano, mas um terror social negro no filão que Jordan Peele inaugurou com Corra! (2017) e Nós (2019), sobre as coisas desesperadas que as pessoas farão para sobreviver e as consequências dessas ações que perturbam mentalmente a ponto de se materializar. Netflix.

11.   Rede de ódio, de Jan Komasa (Polônia)

Fake news, niilismo e pitadas de psicopatia na história de Tomasz, um “hater” profissional. Ele precisa de algumas coisas para alcançar seus objetivos, e vai contar com as ferramentas de tecnologia para instalar o caos político na Polônia dividida entre direita e esquerda. Lembra algum país ou alguns? É refrescantemente original, relevante e com um final impactante. Netflix.

12.   A Sun, de Chung Mong-hong (Taiwan)

Uma saga épica de redenção fincada em um grande drama familiar em que Mong-hong enfoca a dinâmica entre o filho, “a ovelha negra”, e o pai cuja decepção e vergonha correm o risco de eclipsar a salvação do jovem, preso por decepar a mão de um inimigo logo na abertura do filme. Novelístico na aparência, “A Sun” aborda verdades universais sobre a forma como a aprovação e o encorajamento funcionam nas relações entre pais e filhos. Não fosse a trilha sonora desnecessariamente invasiva, estaria em uma posição melhor. Netflix.

13.   Transtorno Explosivo, de Nora Fingscheidt (Alemanha)

É um exame implacável e brutal de Benni, uma menina de 9 anos, cujos ataques de raiva – mais precisamente Transtorno Explosivo Intermitente – a impedem de encontrar cuidados permanentes. É simplesmente a vida de uma criança que não pode ser salva pela sociedade. De cuidadores desesperados  a um sistema cheio de falhas, a menina não consegue lidar com sua condição e recorre à violência. A jovem Helena Zengel personifica essa raiva perfeitamente e consegue ora captar nosso ódio, ora nossa simpatia em um filme deveras aflitivo de ser visto.

14.   O Pássaro Pintado, de Václav Marhoul (Polônia/República Tcheca)

Durante várias sequencias desse filme me perguntei se não estava vendo um sadismo puro e gratuito, mas fui em frente e me vi fascinado. Na trama, um jovem judeu durante a Segunda Guerra Mundial tenta sobreviver enquanto sofre todas as crueldades que você pode pensar e as que você não se permite imaginar, ainda mais levando em conta que trata-se de uma criança. Montado em capítulos exibidos em uma fotografia preto-e-branca deslumbrante e implacável, mostra como os seres humanos são fundamentalmente cruéis (com lampejos de bondade, exceções longe de formar uma regra) e como essa condição, aflorada pelo nazismo, flui do opressor para o oprimido. Será que eu precisava ver mais um filme sobre os horrores da guerra? Ao mesmo tempo não, ao mesmo tempo sim.

15.   O Som do Silêncio, de Darius Marder (EUA)

O filme segue Ruben (Riz Ahmed em uma performance que tem ser indicada ao Oscar!), um baterista de heavy metal que está perdendo a audição rapidamente. Sound of Metal ( “o som do metal”, título original com um significado ambíguo muito lindo) mostra o que acontece quando continuamos tentando perseguir a vida que perdemos e como nos tornamos reféns na vida que pensávamos que teríamos. Através de seu engenhoso design de som, o longa nos coloca no mundo de Ruben e mostra que ser surdo não é o mesmo que estar condenado. O que nos condena é não aceitar as coisas sobre as quais não temos controle. Amazon Prime Vídeo.

Menções Honrosas: Dois irmãos – Uma jornada fantástica; Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre; O caso Richard Jewell, Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, A voz suprema do Blues, Destacamento Blood.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.