Os 20 melhores filmes de 2019 [Parte 1/2]

Chegou a hora do balanço dos melhores filmes de 2019. Um bom ano que certamente terá, no mínimo, meia dúzia de filmes que sobreviverão na memória dos cinéfilos. Como critério de escolha apenas filmes que foram lançados comercialmente no Brasil (e isso inclui os da Amazon Prime e Netflix). Como o texto ficou muito longo, decidi dividir em duas partes para não cansar. Então, vamos lá, por ordem de preferência do 11 ao 20:

11. Dois Papas [The two popes, Reino Unido, Itália, Argentina, EUA, 2019], de Fernando Meirelles

Enquanto o Papa Francisco (Jonathan Pryce) gosta de ouvir a cafonice deliciosa do Abba, o Papa Bento XIV (Anthony Hopkins) não se permite sequer atravessar a Abbey Road que os Beatles eternizaram, por que isso seria mundano demais. Dois Papas (2019) é o melhor filme de Fernando Meirelles desde Cidade de Deus (2002). Feito todo de contrapontos – como no exemplo acima – entre os dois bispos de Roma: o velho e o novo, a tradição e o avanço, o popular e o erudito… Mérito para o espirituoso roteiro que mostra bem como seria um embate entre duas pessoas que, no fundo, são dois lados da mesma moeda. Contra o filme, os flashbacks da vida do jovem padre Bergoglio que, apesar de necessários, se alongam demais. Ah, os créditos finais são um máximo.

12. Dor e Glória [Dolor y gloria, Espanha, 2019], de Pedro Almodóvar

Na pele do alter ego Salvador Mallo (Antonio Banderas, maravilhoso), Almodóvar mais que revisita sua vida, ele a reexamina num dolorido raio-x artístico que expõe seus erros e acertos e nos faz perguntar o que mais o diretor pode nos mostrar após essa expiação pública.

13. Um dia de Chuva em Nova York [A rainy day in New York, Estados Unidos, 2019], de Woody Allen

O velho arroz com feijão de Woody Allen, mas dessa vez mais bem temperado. Se não revoluciona, é pelo menos bem agradável de assistir. Fico muito feliz por finalmente ter assistido esse filme, depois de uma vergonhosa tentativa de censura pelos movimentos feministas, que será cobrada pela história.

14. Minha Obra-Prima [Mi obra-maestra, Argentina, 2018], de Gastón Duprat]

Tem tudo o que esperamos dos filmes argentinos: um roteiro talhado com afinco para formar uma bela esfera, grandes atuações e produção de alto nível. Além disso, oferece uma discussão empolgante sobre a arte como norte na vida, já vista também no filme anterior do diretor, O Cidadão Ilustre (2016). Se no outro era a literatura, neste é a pintura condição fundamental para existência (in)feliz do protagonista. O mais surpreendente, porém, é que é um excelente ‘buddy movie’, sobre dois sujeitos que tem desprezo mútuo um pelo outro, mas são unha e carne, dando ares de comédia absurda a um filme saboroso por si só.

15. Um Homem Fiel [L’homme fidèle, França, 2018], de Louis Garrel

Um Homem Fiel, é um passo a frente na carreira de diretor do galã francês Louis Garrel. É preciso primeiro dizer que Garrel é filho biológico de Philippe Garrel e filho artístico de François Truffaut. O seu cinema tem também os genes da fase madura de seu pai: são contos sobre relacionamentos amorosos breves e contudentes. O seu jeito de atuar ainda guarda um quê pantomímico de adulto infantilizado de Antoine Doinel, o alter ego de Truffaut, cheio de caras e bocas e olhos arregalados. Dito isso, ele tentou fazer do seu primeiro filme, Dois Amigos (2015), uma amálgama das suas duas principais referências, mas esqueceu-se que Garrel-Pai e Truffaut são homens de outros tempos e que a França que eles viviam é diferente da sua. O resultado foi um filme difícil de aturar pelo descompasso temporal, principalmente em relação à misoginia camuflada. Agora, em Um Homem Fiel, ele tirou a poeira e aparou as arestas de suas ideias e entregou um filme econômico (são apenas 72 minutos, o que eu adoro), sobre um triângulo amoroso meio nonsense e inseriu até mesmo uma subtrama de suspense que não leva a lugar nenhum, mas diverte. O resultado final para o espectador é aquela sensação de satisfação truffaniana que tira certa sisudez garreliana inerente ao autor.

16. Rainha de Copas [Dronningen, Dinamarca, 2018], de May el-Toukhy

É um excelente drama familiar escolhido pela Dinamarca para tentar uma vaga no Oscar de Melhor Filme Internacional, mas que infelizmente não têm chances. Conta a história de uma bondosa advogada que ainda não havia perdido os escrúpulos até iniciar um caso com o problemático filho adolescente do marido. Histórias assim não costumam terminar bem, mas aqui nada de escândalos, apenas a mão elegante da diretora conduzindo a trama para seu final doloroso, que abre espaço para refletir temas fortes como culpa, pedofilia e hipocrisia. Na pele da protagonista, Trine Dyrholm está maravilhosa com sua reinvenção da rainha de copas que atormenta Alice, citada várias vezes durante a trama. Tanto na aparência como na composição do personagem lembra a Claire Underwood (Robin Wright) de House of Cards – ora sedutora, ora estrategista.

17. A mula [The mule, Estados Unidos, 2018], de Clint Eastwood

Só aos 90 anos que Earl Stone decide viver fora da lei, após perder tudo que ama. Não que ele ame muito e quando ama, ama mal. Escrito por Nick Schenk e dirigido e estrelado por Clint Eastwood, A Mula foi inspirado em um artigo do New York Times, “A mula de drogas de 90 anos do cartel de Sinaloa”, de Sam Dolnick. O filme usa eventos verdadeiros para estruturar uma história muito mais romanceada e é um rico estudo sobre triunfo e tragédia, humor e tristeza, culpa e perdão. Crítica completa aqui.

18. Graças a Deus [Grâce à Dieu, França, Bélgica, 2019], de François Ozon

O cineasta francês François Ozon trabalha muito e trabalha bem. Nessa década, lançou sete filmes – entre eles, os obrigatórios Dentro de Casa, Jovem e Bela (tudo que Ninfomaníaca queria ser), Frantz, Uma Nova Amiga e este, vencedor do Urso de Prata do Festival de Berlim 2019. Ao contrário de Ozon, não se pode dizer que a Igreja Católica teve um de seus melhores períodos [ver os Dois Papas] , com vários escândalos de pedofilia vindo à tona. É em um desses casos reais que o filme se concentra: no abuso sistemático do padre Preynat (Bernard Verley) em jovens escoteiros, que foram acobertados pelo Cardeal Barbarin (François Marthouret) por várias décadas, mesmo com a confissão do padre e denúncias dos pais (que, por outros motivos, também carregam sua parcela de culpa). O caso ainda está aberto atualmente, com mais e mais homens, agora adultos, criando coragem para denunciar o esquema da Igreja. Ao contrário de seu similar Spotlight (2014), Graças a Deus – o título é uma provocação, mas também uma alfinetada no Cardeal Barbarin, após a declaração infame que ele deu à imprensa: “graças a Deus que esses crimes já prescreveram” – tem mais alma, ainda que sinta falta daquele sarcasmo sagaz típico de Ozon. É contado em forma epistolar, sem nunca se tornar entediante, através de cartas e e-mails com subdivisões não muito claras em três capítulos dedicados a três vítimas de Preynat. Para se indignar e entristecer.

19. Estou me guardando para quando o carnaval chegar [Brasil, 2018], de Marcelo Gomes

Só por ter no título uma das minhas canções preferidas de Chico Buarque, já merecia um dez. Brincadeira. É o melhor documentário brasileiro do ano e um dos melhores filmes sobre alienação trabalhista já feitos. Ê, Brasil, até quando nos fará rir para não chorar?

20. Meu nome é Dolemite [Dolemite is my name, Estados Unidos, 2019]

Um dos filmes mais carismático do ano, Meu Nome é Dolemite conta a história do multifacetado comediante/ator/cantor Rudy Ray Moore, um dos rostos de um dos principais movimentos cinematógraficos dos anos 70, o Blaxpotation, que também se tornou acidentalmente o “padrinho do rap”, devido a sua facilidade para criar rimas rápidas nas suas apresentações. É uma cinebiografia tradicional que cresce devido ao talento de Eddie Murphy, impecável no papel principal, e do elenco de apoio – com destaque para Wesley Snipes e para a participação pequena de Snoop Dog. O momento escolhido para representar a vida de Rudy é o da gravação de seu primeiro filme, Dolemite (1975), com baixo orçamento e equipe na maior parte de amadores ou de profissionais inexperientes. É impossível não lembrar de Ed Wood (1994), o filme sobre os bastidores de gravação do pior filme de todos os tempos e de Saneamento Básico – O Filme (2007), sobre uma trupe de amadores que vão aprendendo a fazer cinema enquanto o fazem. Enfim, o longa é uma deliciosa e historicamente relevante metalinguagem.

Leia também: Os 20 melhores filmes de 2019 – Top 10

Menções Honrosas: Homem-Aranha no Aranhaverso; Temporada; Vice; Poderia me Perdoar?; Querido Menino; O Retorno de Ben; Gloria Bell; A Juíza; Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal; Meu amigo Enzo; Vox Lux; Amanda; Homem Aranha – Longe de Casa; Downton Abbey; O mal não espera a noite – Midsommar.

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