Os 20 melhores filmes de 2019 – Top 10

Chegou a hora do balanço dos melhores filmes de 2019. Um bom ano que certamente terá, no mínimo, meia dúzia de filmes que sobreviverão na memória dos cinéfilos. Como critério de escolha apenas filmes que foram lançados comercialmente no Brasil (e isso inclui os da Amazon Prime e Netflix). Como o texto ficou muito longo, decidi dividir em duas partes para não cansar. Ontem, publicamos a primeira parte com os filmes que ocupam a posição de 11 a 20. Agora, trazemos o Top 10, por ordem de preferência:

  1. Parasita [Gisaengchung, Coreia do Sul, 2019], de Bong Joon-ho

Se você puder assistir apenas a um filme de 2019, escolha o sul-coreano Parasita, de Bong Joon-ho. Não que alguém tivesse dúvida da capacidade do cara que dirigiu O Hospedeiro, Memórias de um Assassino e Mother – A Busca Pela Verdade, mas nessa gema de ouro do ano corrente ele atinge um nível de excelência tamanha que me pergunto o que mais o cineasta pode criar que vá conseguir se superar um dia. A história é tanto sobre a família pobre que usa uma família rica como organismo hospedeiro quanto sobre a família rica incapaz de sobreviver sem essa co-dependência. O resultado desse parasitismo espelhado está na própria Natureza, o grande spoiler do filme, é só observar com atenção.

Por que fala sobre um mal-estar global – o filme é um dos favoritos para o próximo Oscar, que finalmente pode fazer justiça ao país com o maior cinema da atualidade – poderia transcorrer em quase qualquer lugar do planeta. Se trocar os atores, por exemplo, poderia ser refilmado no Brasil sem alterar muita coisa no roteiro. Além, é claro, de ser um grande estudo sobre o conflito de classes, Joon-ho nunca esquece de nos entreter. Bem como muitos outros cineastas do país, o filme de Joon-ho é indefinível: é sátira, drama, romance, suspense, pastelão, mas é tudo tão coeso e bem pensando que você até se sente em êxtase ao final.

2. Assunto de família [Manbiki kazoku, Japão, 2018], de Hirokazu Koreeda

O grande diretor japonês Hirokazu Koreeda continua sua investigação sobre o verdadeiro significado de família na obra que deveria ter ganho o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro neste ano, Assunto de Família (2018). Crítica completa aqui.

3. O irlandês [The Irishman, Estados Unidos, 2019], de Martin Scorsese

É sempre um prazer ver um filme de máfia de Scorsese. Al Pacino, trabalhando pela primeira vez com o mestre (!), disse que, para ele, a sensação de filmar O Irlandês era a mesma que sentia nos sets de filmes na década de 1970. O ator, aliás, rouba todas as cenas como o criminoso Jimmy Hoffa, mas está atrás de Joe Pesci nas apostas para o Oscar de ator coadjuvante. Vai ser uma briga boa. (Por sinal, procurem o vídeo de Pesci ganhando o Oscar por Os Bons Companheiros no YouTube, é impagável). Disse filme de máfia, mas como todo filme de gênero delineado, precisa se provar como algo mais para ter reconhecimento. Então, diria que O Irlandês é sobre efemeridade, decadência e – eu sei que é clichê – o sentido da vida. Uma cena que resume toda a ideia do filme não envolve tiros e conspirações, mas uma conversa entre De Niro e sua enfermeira já no epílogo do filme. Prestem atenção. É disso que Scorsese reclamou com razão dos filmes da Marvel: da falta de perspectiva humana e inquietação artística. Não há super-heróis em seus filmes. Não há nem mesmo heróis. Não lhe interessa o promotor irlandês irmão do presidente, mas o motorista irlandês que faz todo o serviço sujo. Se dirigisse O Poderoso Chefão, a história provavelmente não seria sobre nenhum Corleone, mas sobre Tom Hagen, o filho adotado. Por suas palavras, foi mal compreendido por que é como um extraterrestre de uma raça avançada tentando dialogar com homens da caverna high-tech. A angústia que deve sentir deve ser a mesma do seu fenomenal irlandês. Em tempo: sei que é reclamar de barriga cheia, mas os efeitos visuais rejuvenescedores me fizeram despencar no “vale da estranheza”. Não adianta os atores aparentarem ter 40 anos quando se movem com a agilidade de alguém de 80. Mas é só uma reclamação besta mesmo, que não o impede de estar no pódio desse ano.

4. Era uma vez em Hollywood [Once upon a time in Hollywood, Estados Unidos, 2019], de Quentin Tarantino 

Seguindo sua cisma de reinventar a história começada com Bastardos Inglórios e Django Livre, dessa vez Tarantino filma no quintal de casa e revisita o final dos anos 1960 que levou com ele o sonho hippie (pelo menos na vida real). Excelente.

5. Coringa [Joker, Estados Unidos, 2019], de Todd Phillips

Um filme que aqueles que já se sentiram sozinhos e isolados vão dolorosamente se identificar. Outras pessoas o verão apenas como um incentivo a violência. Na verdade, o filme deveria incentivar cada um de nós a se tornar uma pessoa melhor, tratar todos com respeito e  fazer com que todos se sintam como se pertencessem a este mundo, em vez de fazê-los se sentir isolados. Então, ignore as queixas de “violência perniciosa”, são apenas embaraçosas para dizer o mínimo, pois Coringa continua uma bela tradição renegada da sétima arte que mostra que os bandidos são sempre mais românticos que os heróis.

6. História de um Casamento [Marriage Story, Estados Unidos, 2019], de Noah Bambauch

A abertura com aquelas declarações de amor me lembrou Manhattan do Woody Allen – naquele caso o Woody listava sua paixão por Nova York e as características que faziam ele se apaixonar por ela assim como os amantes pontuam os pontos bons um dos outros, com o mesmo tipo de montagem. No decorrer percebi que era um Kramer vs. Kramer com ambições bergmanianas, ou seja, de se aprofundar no íntimo daqueles dois seres mais que nas consequências do realismo social que advém de um divórcio. O Noah, um grande cinéfilo, foi muito sapiente em atualizar todas essas referências que poderiam soar ultrapassadas (Ingmar Bergman, Woody Allen, Kramer vs. Kramer) com a introdução dos advogados na trama, em uma leitura de que como todos os aspectos da nossa vida íntima foram terceirizados, burocratizados, quando bastaria apenas a sinceridade, autocrítica e compaixão para resolver o assunto. Acho um filme muito longo, de modo geral, mas que mostra que o diretor está no caminho certo de uma fase mais complexa de sua carreira, depois dos deliciosos Frances Ha e Mistress America.

7. Nós [Us, Estados Unidos, 2019], de Jordan Peele

É quase meia-noite e algo maligno está te espreitando no escuro, sob a luz da lua. Você vê algo que quase pára o seu coração e tenta gritar, mas o terror te silencia antes de você poder fazer algo. Você começa a congelar enquanto o horror te olha bem nos seus olhos. Você está paralisado! Porque isso é uma noite de terror e ninguém vai te salvar da fera pronta para atacar. Crítica completa aqui.

8. Bacurau [Brasil, 2019], de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Se em 2018, Gabriela Amaral com seu O Animal Cordial decidiu usar o terror slasher para recriar dentro do espaço limitado de um restaurante toda nossa complexa teia social, em 2019, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles se apropriaram do western, gênero norte-americano por essência, para ambientar #Bacurau. E mais: para reverter o jogo entre mocinhos e vilões. É bom ver que o cinema brasileiro está deixando de ser refém da estética da fome e da pobreza, sem deixar de fazer o seu rotineiro (e desesperadamente necessário) comentário social.

KMF evoluiu, talvez para isso tenha precisado de Dornelles. Não soa mais pedante como em O Som ao Redor (2012) nem panfletário como em Aquarius (2016). Na verdade, com alguns tons de sátira, num arroubo de criatividade, fez seu melhor filme desde o curta Recife Frio (2009, procurem no Vimeo). Bacurau vai, enfim, ser tema de conversa e estudo por muito tempo, por que é cinemão com gosto. Minhas cenas preferidas, por enquanto, são os constrangedores sulistas se achando europeus e se dando mal e os bacuarenses se refugiando na escola e no museu, únicos lugares de proteção e salvação. Viu, KMF, como dá pra mandar recado sem ser verborrágico como um tratado de sociologia.

9. A Favorita [The favourite, EUA, Reino Unido, 2018], de Yorgos Lanthimos

Usando uma grande angular em muitas cenas, a famosa câmera olho de peixe, o diretor conta a história da frágil Rainha Anne (Olivia Colman), que ocupa o trono no início do século 18 na Inglaterra. Crítica completa aqui.

10. Sinônimos [Synonyms, França, Israel, Alemanha, 2019] de Nadav Lapid

A figura do flâneur – o andarilho errante e observador, geralmente com o olhar angustiado, sobretudo e cigarro na boca para se aquecer no frio – é tão comum na cultura francesa que chega a ser quase um estereótipo daquele povo. É pontual, portanto, que o imigrante israelita Yoav (o incrível estreante Tom Mercier) explore Paris a pé, com um dicionário nas mãos, no seu intento de se tornar um legítimo francês em #Sinônimos, de Nadav Lapid (2019).

Todo mundo que já mudou de cidade ou país com objetivo de se renovar e quem sabe criar uma nova identidade se identifica com Yoav, que, com seu jeito quase infantil, perceberá através da degradação moral que a realidade é o funeral dos sonhos. Já na sua chegada, lhe roubam tudo, até a cueca. Nu,com vergonha de sair assim pela cidade luz, ele prefere morrer de frio no apartamento vazio do que passar por tal vexame. Ou será que, na verdade, não foi esta uma tentativa de autodestruição? É uma solução bem mais fácil, certamente, que enfrentar o estrangeiro desconhecido. Entretanto, ele é salvo por um jovem casal de vizinhos, ricos e bondosos, que, de início, se apaixonam por sua inteligência e inocência (e por outros detalhes também). O recém-nascido vai enfrentar, então, a França que tanto ama e descobrir outra coisa que todo aventureiro descobre uma hora ou outra: a expectativa pode ser a mãe da decepção. Em um país traumatizado pelos recentes ataques de terroristas, é difícil se sentir igual, ser tratado fraternamente e preservar o conceito de liberdade. Esta, um estandarte dos francófonos, é posta em cheque pelo próprio Yoav: ora, até que ponto a liberdade é aceita, quais são os seus limites e, principalmente, se existe um limite, existirá liberdade? Ou ela é apenas uma propaganda enganosa que o país vende?

Baseado na própria experiência de migração/adaptação do diretor, Sinônimos deixa um nó na garganta, com uma cena final simbólica que envolve uma porta (um dos melhores finais abertos que já vi, diga-se de passagem), mas também com outras sequências que você não sabe se ri ou chora como a cena da discoteca ao som de Pump Up The Jam, que por si só já vale o investimento no filme.

Leia também: Os 20 melhores filmes de 2019 [Parte 1/2]

Menções Honrosas: Homem-Aranha no Aranhaverso; Temporada; Vice; Poderia me Perdoar?; Querido Menino; O Retorno de Ben; Gloria Bell; A Juíza; Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal; Meu amigo Enzo; Vox Lux; Amanda; Homem Aranha – Longe de Casa; Downton Abbey; O mal não espera a noite – Midsommar.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.